
Os Simpsons e a religião |
Em 17 de dezembro de 1989 saiu ao ar pela primeira vez nos Estados Unidos ou programa de desenhos animados Os Simpsons, destinado a tornar-se em poucos anos no mais famoso sitcom (comédia de situação) do mundo. A série foi criada pelo engenhoso desenhista americano Matt Groening quando, minutos antes de apresentar-se em uma importante reunião com um produtor televisivo, inventou novos personagens de mandíbulas quadradas, olhos similares a bolas de golfe e pele amarela. Nenhum produtor teria apostado que essas novas caricaturas chegariam a estar entre os personagens mais famosos da história. No entanto, em pouco tempo os americanos se reconheceram nas histórias da família Simpson e da sociedade da pequena cidade de Springfield.
No início dos anos noventa a opinião pública mundial se dividiu em duas. Sobretudo nos EUA muitas associações de pais consideraram que os Simpsons não constituíam um bom modelo educativo. Mais ainda, George Bush pai, presidente nessa época, criticou a série: “ Vamos fortalecer a família americana para torná-la mais parecida com os Waltons e menos com Os Simpsons . ” Muitas escolas proibiram seus estudantes de usar camisetas dos Simpsons. No entanto, a renda gerada em torno da série televisiva, após quatorze meses de produção, chegou a mais de dois bilhões de dólares.
OS PERSONAGENS
Os Simpsons é uma famosa sitcom que narra a vida de uma família americana num típico município, Springfield, cujo nome é compartilhado pelo menos com trinta pequenas cidades desse país. Homer é o chefe da família, trabalha como inspetor de segurança numa central nuclear, mas, devido a sua lentidão e pouco gosto pelo trabalho, parece estar estancado eternamente nesse posto. Seu único desejo é voltar para casa ,o quanto antes, depois de uma jornada de trabalho, para instalar-se diante do televisor e comer pipoca, sanduíches e tomar cerveja. É homem sem elegância, castigado também por seu aspecto físico, pouco capaz de dialogar, mas é uma pessoa generosa.
Marge é a dona de casa e voz moral da família. Ensina seus filhos (sem muito sucesso) a fazer o bem e a combater o mal, e está ancorada nas tradições. De fato, personifica também a mãe superprotetora e invasiva com um estranho passatempo: modifica continuamente seu penteado azul, muito crespo e muito alto, utiliza-o de vez em quando como caixa-forte, pequeno armário ou bolsa.
Os Simpsons têm três filhos: o primogênito Bart é a personagem mais popular. Tem dez anos e se orgulha de ser o último do curso. Na realidade, fez isso de propósito: assim pode ser reconhecido e legitimado em seu papel por uma sociedade que não considera ninguém. É astuto e contra qualquer regra, ama o skate e a televisão, e seu passatempo preferido é fazer brincadeiras de mau gosto com o cantineiro Moe Szyslak e com o diretor do colégio Seymour Skinner.
Sua irmã Lisa tem oito anos e é o cérebro do lar. É vegetariana e ecologista, mas também inconformista, progressista e ambiciosa. Tem grandes sonhos (gostaria de chegar a ser presidente) e crê estar entre os melhores músicos do mundo.
Por último, Maggie, que tem um ano, não fala, usa uma chupeta estereofônica e quando trata de caminhar sempre cai. Além disso, os Simpsons têm um gato, Bola de Neve II, e um cachorro, Santa Claus.
Mas a família tem outro membro, o avô Abraham, que é excluído e desacreditado pelo resto. Ele encarna o abandono dos anciãos na sociedade ocidental e da memória histórica da família, a sabedoria e a experiência de vida. Como sucede freqüentemente com os idosos, o avô, que serviu durante a segunda guerra mundial, também vive de recordações e de episódios. No entanto, os Simpsons não gostam de recordar o próprio passado e os fracassos vividos; querem viver o presente procurando conquistar o futuro. Por isto o avô é enviado sem nenhum escrúpulo nem sentimento ao “exílio”, ao asilo de anciãos de Springfield.
OS CONTEÚDOS
Os cerca de quatrocentos quarenta episódios da série, que exigem dos produtores seis a nove meses de trabalho para cada um, baseiam-se tanto numa comicidade aparentemente surrealista como em tons sarcásticos sobre os tabus da sociedade americana, com muita sátira sobre a família e a vida cotidiana. Portanto, Springfield é considerado o ícone do vilarejo global do Ocidente onde, por um lado, tudo é deformado e agigantado e, por outro, mostra que o que se conta é real e não se limita somente à realidade dos Estados Unidos, mas abrange outras partes do mundo, pelo menos as mais industrializadas.
É verdade que alguns detalhes e variações temáticas podem não ser compreendidos pelos que não vivem nessa nação. De fato, apela-se a assuntos de crônica jornalística, como Watergate ou a guerra do Iraque, comentam-se problemas políticos abertos, não faltam aparições de personagens famosos, como os Kennedy, a mulher do presidente Barack Obama, Michelle, ou as referências a filmes de atualidade, canções ou transmissões televisivas populares.
Bart, Lisa e Maggie são filhos de uma geração cheia de violência e de medos, que rejeita os modos tradicionais de educação. Seus dias de colégio são uma crítica implacável ao sistema escolar americano: violência na sala de aula, falta de autoridade dos professores, formas de ensinar superadas, cortes no orçamento das escolas e quebra do pacto de confiança que unia os professores e as famílias para educarem juntos.
A política também está presente. Tratam temas como, por exemplo, o meio ambiente, o desarmamento, a saúde, a promoção dos direitos civis, muito queridos pelo Partido Democrata americano (por isso a administração Bush sempre temeu as críticas dos Simpsons). Denunciam os abusos de poder do Governo e das grandes indústrias.
A vida da sociedade aparece despojada de esperança e os capítulos mostram-na de um modo implacável: políticos corruptos, meios de comunicação subordinados ao poder e com informação parcial, autoridades religiosas distantes da vida dos fiéis. Inclusive a polícia local, especialmente o chefe Gorgory, é ineficiente e não garante a ordem nem a segurança. No filme de Os Simpsons, por causa do tema do lago contaminado, o político que procura salvar a cidade com meios muito custosos para o Governo, exclama: “É verdade que sou o proprietário da empresa [e dos meios utilizados], mas isso é um detalhe mínimo”.
.Mas a sátira do programa leva a perguntar-se também em como viver o papel de dona de casa, de mãe e de esposa. Se for feito ao modo de Marge, corre-se o risco de dar sistematicamente aos problemas de hoje respostas de ontem, baseadas exclusivamente na tradição. A própria relação matrimonial entre Homer e Marge é sinal de um mal-estar tácito, nunca esclarecido, talvez uma concessão perpétua, fruto da incapacidade de dialogar e de reconciliar-se explicitamente. Nos episódios, por trás da sátira e das brincadeiras que fazem rir, abordam temas antropológicos relacionados com o sentido e a qualidade da vida.
A RELIGIÃO
Os Simpsons está entre os poucos programas de televisão onde a fé cristã, a religião e a pergunta por Deus são temas recorrentes. A família recita suas orações antes de comer e, a seu modo, acredita em uma outra vida. A relação do chefe de família com Deus é adolescente; antes de assistir ao serviço religioso repete: “ Mas, Marge, e se escolhemos a religião equivocada? Toda semana nós deixamos Deus ainda mais bravo”.
0 comentários:
Postar um comentário